

É bom ser criança. Ser autêntico e não precisar pedir licença para sonhar. Abrir-se ao novo. Acreditar no amor puro entre as pessoas. Ser espontâneo e sincero. Saber pouco sobre o futuro, e ainda assim, ter confiança na vida. É fato que os pequenos ainda não têm a maturidade necessária para viver como os adultos. No entanto, há aspectos importantes de ser criança que devem ser preservados ao longo do tempo.
Há quem se lembre com carinho da infância e diga de forma saudosa: “Ah, no meu tempo de criança…”, “Na minha época tudo era melhor…”. É possível perceber na fala de muitas pessoas que existe uma fragmentação entre aquele tempo infantil e o tempo de hoje, e é em tom pejorativo que muitos falam sobre “ser criança”. Quantas vezes ouvimos dizer: “Você não é mais criança, então (…)” e completam a frase com as restrições para o adulto: “(…) não pode ter medo, não pode chorar, não deve sentir”. Porém eu vou te contar um segredo: você pode. Todas as idades e experiências passadas vivem dentro de você. Na mente, não existe passado ou futuro, vivemos tudo a um só tempo, no presente. Então, se você tem trinta anos de idade, você não tem só os trinta anos, mas tem um mês de nascimento, os três anos de vida, os sete, os doze, os vinte anos que fazem parte de você. E aí já não há mais problema em abraçar as suas dores e seus afetos que são tão sensíveis como os de uma criança, porque estão todos no seu íntimo misturados e sem data de validade.
Ser criança é ter a capacidade de aprender, superar obstáculos e se conhecer. É isso que uma criança simbolicamente faz quando brinca: quer escalar a estante da sala de casa, entrar debaixo da pia da cozinha, correr e pular corda. Na verdade, a criança quer saber qual é o seu tamanho, se ela cabe naquele lugar que escolheu entrar, e do que é capaz de fazer. Nunca me esqueço de quando aprendi que a criança joga os objetos várias vezes no chão para testar a trajetória deles, saber de quantas formas pode cair no chão, e conhecer até onde o objeto pode ir. Na vida adulta isso também acontece quando você tem a capacidade de “brincar”, se lançando em novas experiências, ao se testar ocupando diferentes espaços, papeis e funções que assume no dia a dia, no trabalho, na família e na comunidade. Aceitando desafios, vai construindo habilidades para lidar com as situações que surgem. Você se dá a oportunidade de se conhecer? Sabe até onde pode chegar?
Com a crise econômica atual, quem não está em constante processo de mudança? Renovando os pontos de vista, apostando em um novo trabalho, ou sendo ativo e escolhendo um outro caminho para seguir. Mesmo sem crise política e financeira, a vida por natureza nos obriga a mudar. Se não fizermos essa renovação em relação a nós mesmos, surgirá a estagnação e a falta de sentido de vida baterá à nossa porta.
O pensamento da sociedade atual nasce desse mundo acelerado, pressionado para a produtividade e o consumo excessivo de informações. Dessa forma, cada vez mais desvalorizamos os afetos, isolamos os sentimentos e negamos as nossas emoções. Assistimos o aumento de psicopatologias, como a depressão, e vemos a perda da capacidade de sonhar. A busca por auxílio psicológico para lidar com as emoções parece ser sinônimo de fraqueza e, mais uma vez, de “infantilidade”. Estamos vivendo a ditadura da felicidade: todo mundo é obrigado a ser feliz. Como conviver com a síndrome do pânico, por exemplo, que é uma vivência profunda de desamparo, em uma época que não se pode ficar triste, nem sentir dor? Também podemos pensar o quanto negar as próprias emoções, a longo prazo, contribui para o desencadeamento de transtornos mentais. Você se permite ser criança assim, ou seja, ser humano?
Enfim, é fundamental ter a capacidade de aprender sempre e se admirar com as pequenas coisas. É preciso ser criança para poder ser adulto, poder se conhecer e estar disponível para ouvir o que as emoções estão querendo te dizer. Ser criança é expressar a essência de quem você é. Por isso, não a deixe para trás.
Assim, você conseguirá se sentir forte o suficiente para superar os obstáculos e perceber as próprias capacidades. Que você possa se ouvir e acreditar em si, crescer, sonhar e se realizar. Feliz sempre Dia das Crianças!
Raquel Irene de Macedo
Psicóloga CRP 06/124000